O ser humano, encarnado ou desencarnado, vive no clima da emoção, pressionado ou sustentado por ela, levado por ela às furnas mais profundas da dor e da revolta, ou alçado aos píncaros da felicidade e da paz. Ela nos afeta, mesmo quando, ocasionalmente, parece não existir em nós. É oportuno lembrar que emoção, etimologicamente, quer dizer ato de deslocar, ou seja, mover. Arrastado pela emoção, o Espírito se desloca, num sentido ou noutro, caminhando para as trevas de sofrimentos inenarráveis ou subindo para os planos superiores da realização pessoal, segundo ele se deixe dominar pelo ódio ou se entregue ao amor. Esse deslocamento o conduz a extremos de paixão, que o esmaga, ou a culminâncias de devotamento, que o santifica, e, muitas vezes, em estágios ainda inferiores da evolução, confunde-se em nós a realidade ódio/amor, e nos confundimos nela e com ela, porque é comum tocarem-se os extremos.
O trabalho de desobsessão não deve ignorar essa realidade. Freqüentemente, o processo da desobsessão se desencadeia, de maneira paradoxal, por amor, e é lembrando esse aspecto que conseguimos, às vezes, ajudar os Irmãos, que se atormentam mutuamente, a colocarem um ponto final nas suas angústias. O que acontece éque temos em nós todos o instinto egoísta — e quase todos os instintos são egoístas — de conservar a posse total do objeto de nossa preferência ou afeição: a esposa, o esposo, o filho, o dinheiro, a posição social, o poder. Suponhamos que a esposa nos traia, que o filho nos rejeite, que o dinheiro ou o poder nos sejam arrebatados.
Passamos imediatamente a odiar os que nos privaram da posse daquilo que amamos ou valorizamos. Com isto, percebemos que amor e ódio são duas faces de uma só realidade, luz e sombra, que em determinado ponto absorveram-se uma na outra, criando uma opressiva atmosfera de penumbra, na qual perdemos a visão dos caminhos e o senso da direção. Para desfazer esse clima de crepúsculo, que agonia e desorienta o Espírito, é preciso ajudá-lo a identificar bem seus sentimentos, a fim de separá-los. Estejamos certos, para isso, de uma realidade indisputável, ainda que pouco percebida: o amor, como dizia Paulo aos Coríntios, não acaba nunca. Mesmo envolvido, soterrado no rancor e na vingança, ele subsiste, sobrevive, renasce, está ali. O ódio não o exclui; ao contrário, fixa-o ainda mais, porque em termos de relacionamento homem/mulher, o ódio é, muitas vezes, o amor frustrado. Odiamos aquela criatura exatamente porque parece que ela não quer o nosso amor, porque nos recusa, nos traiu, nos desprezou, porque a amamos...
No momento em que conseguimos convencer o companheiro desencarnado, em crise, que ele odeia porque ainda ama, ele começa a recuperar-se, compreendendo que essa é uma verdade com a qual ele ainda não havia atinado. Por mais estranho que pareça, o rancor contra a amada, ou o amado, que traiu ou abandonou, é que mantém acesa a chamazinha da esperança. Aquele que deixou de amar é porque não amou bastante e, com menor dificuldade, desliga-se do objeto de sua dor. Cedo compreende que não vale a pena perder seu tempo, e angustiar-se no doloroso processo de vingar-se, dado que — e isto também pode parecer contraditório — não podemos ignorar o fato de que a vingança impõe, também ao vingador, penosas vibrações de sofrimento.
Vários casos assim temos encontrado na experiência de nossos grupos.
Um desses foi comovente. O Espírito manifestante era de uma mulher. Seu antigo companheiro, ora encarnado, fazia parte de nosso grupo e ela ainda trazia em seu coração um rancor que 130 anos não conseguiram extinguir. Fora muito bela, inteligente, de elevada posição social, e rompera com todas as convenções da época para segui-lo. E por mais de um século, recolhida ao mundo espiritual, achara que não valera a pena o seu sacrifício e que ele não dera valor às suas renúncias e nem as merecera.
Foi muito difícil o diálogo com ela. Tudo foi tentado pelos nossos queridos amigos espirituais. Levaram-na a um encontro com ele desdobrado pelo sono — a um local, na Europa, onde viveram momentos de intensa felicidade e enlevo. Ajudavam, como podiam, o doutrinador, nos seus esforços. Ela era muito brilhante e estava muito magoada: tinha respostas oportunas, encontrava em si mesma todas as justificativas para continuar agindo daquela maneira. Afinal de contas, não pensara noutra coisa, por mais de um século! Promoveram, os benfeitores espirituais, encontros com um filho que o casal tivera naquela ocasião e que se encontrava também no mundo espiritual, bastante pacificado e dedicado ao trabalho construtivo. Reencontrou-se ela, também, com outra filha — esta reencarnada — à qual se dirigia com carinho e afeição, através do médium. Nada. Certa vez, em lugar de ligá-la ao seu médium habitual, ligaram-na com o próprio companheiro, objeto de seus rancores, pois ele também dispunha de excelentes faculdades mediúnicas. Quando ela percebeu que falava por seu intermédio, retirou-se prontamente, muito chocada. De outras vezes, ele tentou dialogar com ela, mas a experiência foi negativa, pois a sua palavra parecia exacerbar o rancor que a infelicitava.
Esse drama durou meses, semana após semana. E ela, irredutível. Certa vez, sentindo que começava a ceder aos argumentos ou aos sentimentos de afeição que colhia no grupo, ela desligou-se subitamente do médium. Nossos benfeitores, por doce constrangimento, trouxeram-na de volta, já em pranto. Ela veio indignada, revoltada, falando entre lágrimas:
— Quando vai terminar esta farsa?
Pacientemente, o doutrinador lhe devolveu a pergunta com outra:
— Você acha, minha querida, que suas lágrimas também são uma farsa?
Estava chegando ao fim de sua longa e penosa agonia Íntima. Começou a ceder, à medida em que o amor reacendia a sua chama, a princípio timidamente, e depois, com todo o vigor antigo, mas agora purificado, expurgado da paixão que fora a sua perda. Acabou por reconciliar-se com o seu antigo amado.
Esta história, tão verídica e dramática quanto a própria vida, teve um final emocionante e, graças a esse episódio, vivi uma das mais belas e comovedoras emoções da minha experiência no trato com os Espíritos.
Certa noite, ela veio apenas para despedir-se. O drama e a dor estavam encerrados. Agora, era a retomada da trilha evolutiva, a perspectiva de novas experiências redentoras: a querida irmãzinha preparava-se para reencarnar-se, perfeitamente reconciliada com a vida e com o amor. Foi-nos permitido identificá-la na nova encarnação que se iniciava sob tão belos auspícios e tão gratas alegrias para todos aqueles que a amavam.
Renasceu. Uma bela criança, em lar feliz e equilibrado. Logo aos primeiros meses de sua nova existência, tive oportunidade de vê-la. Visitava eu a família, e a jovem mãe me chamou para ver a criança. Entramos no quarto em que ela dormia profundamente. A mãe acendeu a luz, sob meus protestos, pois temia que ela acordasse, mas ela continuou dormindo. Era linda, e dormiu ainda alguns segundos. Depois, abriu os olhinhos, contemplou-me — seu antigo doutrinador, com quem sustentou batalhas impetuosas — e me deu o prêmio inesperado de um belissimo sorriso... Em seguida, adormeceu novamente, como um anjo que era. Senti naquele sorriso a mensagem da paz e da gratidão. Seus olhinhos exprimiam felicidade e amor. Sua expressão me dizia, na linguagem inarticulada da emoção:
— Ah! É você? Eu já estou aqui, amigo...
Sem dúvida alguma, o amor também renascera com ela. Seu antigo companheiro recebe dela, hoje, o amor transcendental da neta muito querida pelo avô, que mereceu também a bênção do reencontro e da reconciliação.
Miranda C.H.
(D. Sombras)
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