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quarta-feira, 18 de maio de 2011

O ser humano, encarnado ou desencarnado, vive no clima da emoção, pressionado ou sustentado por ela, levado por ela às furnas mais profundas da dor e da revolta, ou alçado aos píncaros da felici­dade e da paz.


O ser humano, encarnado ou desencarnado, vive no clima da emoção, pressionado ou sustentado por ela, levado por ela às furnas mais profundas da dor e da revolta, ou alçado aos píncaros da felici­dade e da paz. Ela nos afeta, mesmo quando, ocasionalmente, pa­rece não existir em nós. É oportuno lembrar que emoção, etimo­logicamente, quer dizer ato de deslocar, ou seja, mover. Arrastado pela emoção, o Espírito se desloca, num sentido ou noutro, cami­nhando para as trevas de sofrimentos inenarráveis ou subindo para os planos superiores da realização pessoal, segundo ele se deixe dominar pelo ódio ou se entregue ao amor. Esse deslocamento o conduz a extremos de paixão, que o esmaga, ou a culminâncias de devotamento, que o santifica, e, muitas vezes, em estágios ainda inferiores da evolução, confunde-se em nós a realidade ódio/amor, e nos confundimos nela e com ela, porque é comum tocarem-se os extremos.



O trabalho de desobsessão não deve ignorar essa realidade. Freqüentemente, o processo da desobsessão se desencadeia, de ma­neira paradoxal, por amor, e é lembrando esse aspecto que conse­guimos, às vezes, ajudar os Irmãos, que se atormentam mutuamente, a colocarem um ponto final nas suas angústias. O que acontece éque temos em nós todos o instinto egoísta — e quase todos os instintos são egoístas — de conservar a posse total do objeto de nossa preferência ou afeição: a esposa, o esposo, o filho, o dinheiro, a posição social, o poder. Suponhamos que a esposa nos traia, que o filho nos rejeite, que o dinheiro ou o poder nos sejam arrebatados.


Passamos imediatamente a odiar os que nos privaram da posse daquilo que amamos ou valorizamos. Com isto, percebemos que amor e ódio são duas faces de uma só realidade, luz e som­bra, que em determinado ponto absorveram-se uma na outra, criando uma opressiva atmosfera de penumbra, na qual perdemos a visão dos caminhos e o senso da direção. Para desfazer esse clima de crepúsculo, que agonia e desorienta o Espírito, é preciso ajudá-lo a identificar bem seus sentimentos, a fim de separá-los. Estejamos certos, para isso, de uma realidade indisputável, ainda que pouco percebida: o amor, como dizia Paulo aos Coríntios, não acaba nunca. Mesmo envolvido, soterrado no rancor e na vingança, ele subsiste, sobrevive, renasce, está ali. O ódio não o exclui; ao contrário, fixa-o ainda mais, porque em termos de relacionamento homem/mu­lher, o ódio é, muitas vezes, o amor frustrado. Odiamos aquela criatura exatamente porque parece que ela não quer o nosso amor, porque nos recusa, nos traiu, nos desprezou, porque a amamos...


No momento em que conseguimos convencer o companheiro desencarnado, em crise, que ele odeia porque ainda ama, ele co­meça a recuperar-se, compreendendo que essa é uma verdade com a qual ele ainda não havia atinado. Por mais estranho que pareça, o rancor contra a amada, ou o amado, que traiu ou aban­donou, é que mantém acesa a chamazinha da esperança. Aquele que deixou de amar é porque não amou bastante e, com menor dificuldade, desliga-se do objeto de sua dor. Cedo compreende que não vale a pena perder seu tempo, e angustiar-se no doloroso pro­cesso de vingar-se, dado que — e isto também pode parecer con­traditório — não podemos ignorar o fato de que a vingança impõe, também ao vingador, penosas vibrações de sofrimento.


Vários casos assim temos encontrado na experiência de nossos grupos.


Um desses foi comovente. O Espírito manifestante era de uma mulher. Seu antigo companheiro, ora encarnado, fazia parte de nosso grupo e ela ainda trazia em seu coração um rancor que 130 anos não conseguiram extinguir. Fora muito bela, inteligente, de elevada posição social, e rompera com todas as convenções da época para segui-lo. E por mais de um século, recolhida ao mundo espiritual, achara que não valera a pena o seu sacrifício e que ele não dera valor às suas renúncias e nem as merecera.


Foi muito difícil o diálogo com ela. Tudo foi tentado pelos nossos queridos amigos espirituais. Levaram-na a um encontro com ele desdobrado pelo sono — a um local, na Europa, onde vi­veram momentos de intensa felicidade e enlevo. Ajudavam, como podiam, o doutrinador, nos seus esforços. Ela era muito brilhante e estava muito magoada: tinha respostas oportunas, encontrava em si mesma todas as justificativas para continuar agindo daquela ma­neira. Afinal de contas, não pensara noutra coisa, por mais de um século! Promoveram, os benfeitores espirituais, encontros com um fi­lho que o casal tivera naquela ocasião e que se encontrava também no mundo espiritual, bastante pacificado e dedicado ao trabalho construtivo. Reencontrou-se ela, também, com outra filha — esta reencarnada — à qual se dirigia com carinho e afeição, através do médium. Nada. Certa vez, em lugar de ligá-la ao seu médium ha­bitual, ligaram-na com o próprio companheiro, objeto de seus ran­cores, pois ele também dispunha de excelentes faculdades mediú­nicas. Quando ela percebeu que falava por seu intermédio, reti­rou-se prontamente, muito chocada. De outras vezes, ele tentou dialogar com ela, mas a experiência foi negativa, pois a sua palavra parecia exacerbar o rancor que a infelicitava.


Esse drama durou meses, semana após semana. E ela, irredu­tível. Certa vez, sentindo que começava a ceder aos argumentos ou aos sentimentos de afeição que colhia no grupo, ela desligou-se subitamente do médium. Nossos benfeitores, por doce constrangi­mento, trouxeram-na de volta, já em pranto. Ela veio indignada, revoltada, falando entre lágrimas:


— Quando vai terminar esta farsa?


Pacientemente, o doutrinador lhe devolveu a pergunta com outra:


— Você acha, minha querida, que suas lágrimas também são uma farsa?


Estava chegando ao fim de sua longa e penosa agonia Íntima. Começou a ceder, à medida em que o amor reacendia a sua chama, a princípio timidamente, e depois, com todo o vigor antigo, mas agora purificado, expurgado da paixão que fora a sua perda. Aca­bou por reconciliar-se com o seu antigo amado.


Esta história, tão verídica e dramática quanto a própria vida, teve um final emocionante e, graças a esse episódio, vivi uma das mais belas e comovedoras emoções da minha experiência no trato com os Espíritos.


Certa noite, ela veio apenas para despedir-se. O drama e a dor estavam encerrados. Agora, era a retomada da trilha evolutiva, a perspectiva de novas experiências redentoras: a querida irmãzinha preparava-se para reencarnar-se, perfeitamente reconciliada com a vida e com o amor. Foi-nos permitido identificá-la na nova encar­nação que se iniciava sob tão belos auspícios e tão gratas alegrias para todos aqueles que a amavam.


Renasceu. Uma bela criança, em lar feliz e equilibrado. Logo aos primeiros meses de sua nova existência, tive oportunidade de vê-la. Visitava eu a família, e a jovem mãe me chamou para ver a criança. Entramos no quarto em que ela dormia profundamente. A mãe acendeu a luz, sob meus protestos, pois temia que ela acor­dasse, mas ela continuou dormindo. Era linda, e dormiu ainda alguns segundos. Depois, abriu os olhinhos, contemplou-me — seu antigo doutrinador, com quem sustentou batalhas impetuosas — e me deu o prêmio inesperado de um belissimo sorriso... Em seguida, adormeceu novamente, como um anjo que era. Senti naquele sorriso a mensagem da paz e da gratidão. Seus olhinhos exprimiam felicidade e amor. Sua expressão me dizia, na linguagem inarti­culada da emoção:


— Ah! É você? Eu já estou aqui, amigo...


Sem dúvida alguma, o amor também renascera com ela. Seu antigo companheiro recebe dela, hoje, o amor transcendental da neta muito querida pelo avô, que mereceu também a bênção do reencontro e da reconciliação.


Miranda C.H.
(D. Sombras)




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