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quarta-feira, 11 de maio de 2011

O que é isto — a filosofia?


Os pensadores gregos, Platão e Aristóteles, chamaram a atenção para o fato de que a filosofia e o filosofar fazem parte de uma dimensão do homem, que designamos dis-posição (no sentido de uma tonalidade afetiva que nos harmoniza e nos convoca por um apelo).



Platão diz: (...)“É verdadeiramente de um filósofo este páthos — o espanto; pois não há outra origem imperante da filosofia que este”.


O espanto é, enquanto páthos, a arkhé da filosofia. Devemos compreender, em seu pleno sentido, a palavra grega arkhé. Designa aquilo de onde algo surge. Mas este “de onde” não é deixado para trás no surgir; antes, a arkhé torna-se aquilo que é expresso pelo verbo arkhein, o que impera. O pó do espanto não está simplesmente no começo da filosofia, como, por exemplo, o lavar das mãos precede a operação do cirurgião. O espanto carrega a filosofia e impera em seu interior.


Aristóteles diz o mesmo: (espanto os homens chegam agora e chegaram antigamente à origem imperante do filosofar” (àquilo de onde nasce o filosofar e que constantemente determina sua marcha).


Seria muito superficial e, sobretudo, uma atitude mental pouco grega se quiséssemos pensar que Platão e Aristóteles apenas constatam que o espanto é a causa do filosofar. Se esta fosse a opinião deles, então diriam: um belo dia os homens se espantaram, a saber, sobre o ente e sobre o fato de ele ser e de que ele seja. Impelidos por este espanto, começaram eles a filosofar. Tão logo a filosofia se pôs em marcha, tornou-se o espanto supérfluo como impulso, desaparecendo por isso. Pôde desaparecer já que fora apenas um estímulo. Entretanto: o espanto é arkhé — ele perpassa qualquer passo da filosofia. O espanto é páthos. Traduzimos habitualmente páthos por paixão, turbilhão afetivo. Mas póthos remonta a páskhein, sofrer, agüentar, suportar, tolerar, deixar-se levar por, deixar-se con-vocar por. É ousado, como sempre em tais casos, traduzir páthos por dis-posição, palavra com que procuramos expressar uma tonalidade de humor que nos harmoniza e nos con-voca por um apelo. Devemos, todavia, ousar esta tradução porque só ela nos impede de representarmos páthos psicologicamente no sentido da modernidade. Somente se compreendermos páthos como dis-posição (dis-position) podemos também caracterizar melhor o thaumdzein, o espanto. No espanto detemo-nos (être en arrêt). É como se retrocedêssemos diante do ente pelo fato de ser e de ser assim e não de outra maneira. O espanto também não se esgota neste retroceder diante do ser do ente, mas no próprio ato de retroceder e manter-se em suspenso é ao mesmo tempo atraído e como que fascinado por aquilo diante do que recua. Assim o espanto é a dis-posição na qual e para a qual o ser do ente se abre. O espanto é a dis-posição em meio à qual estava garantida para os filósofos gregos a correspondência ao ser do ente.


(Heidegger, O que é isto — a filosofia?, in Col. Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 219.)

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