Um anjo arranca
a máscara de um busto na gravura que ilustra a capa da primeira edição francesa
em 1665, lançada a um ano depois da edição holandesa.
Este desenho no
frontispício do livro valida perfeitamente o que sentencia seus pensamentos:
"Nossas virtudes, na maioria das vezes, são vícios disfarçados" .
Este livro foi
redigido na mesma época em que foram escritas as famosas "Fábulas".
E
como La Fontaine
deixou uma homenagem em sua obra à La Rochefoucauld , gostaríamos igualmente de
homenageá-lo e deixar aqui evidenciado, nosso respeito e admiração por este
ilustre pensador e prosador francês.
Eis aqui um
trecho transcrito do livro "Máximas e Reflexões", intitulado a
Relação dos Homens Com os Animais': que bem corresponde as idéias das fábulas
de La Fontaine :
"Há tantas
espécies de homens quantas de animais, e são os homens para os outros homens o
que as diferentes espécies de animais são entre si, e umas para as outras.
Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes!
Uns, como
tigres, são sempre bravios e cruéis; outros, como leões, guardam certa
aparência de generosidade; outros, como ursos, são ávidos e grosseiros; outros,
como lobos, são raptores e impiedosos; outros, como raposas que vivem de sua
indústria, têm por ofícios lograr.
Quantos homens
não têm parte com os cães! Destroem a própria espécie, caçam para o prazer de
quem lhes dá de comer, às vezes seguem os donos, outras lhe guardam a casa. Há
lebréus de guerra que devem a vida ao próprio valor, que têm nobreza na
coragem; há dogues encarniçados que só o furor têm por qualidade; há cães menos
ou mais inúteis que ladram sempre e só às vezes mordem, há mesmo os cães de
guarda que nem comem o que é do dono nem deixam os outros comerem.
Há símios e
macacas que agradam pelas maneiras, que têm espírito e fazem sempre o mal, há
pavões que só beleza têm, cujo canto desagrada e que destroem o lugar que
habitam.
Há pássaros que
só se recomendam pela plumagem e pelas cores.
Quantos papagaios não falam sem
cessar e nunca ouvem o que dizem; quantas pegas e gralhas não se deixam amansar
para melhor furtar; quantas aves de rapina não vivem só da rapina; quantas
espécies de animais pacíficos e tranquilos não servem só de comida aos outros
animais!
Há gatos,
sempre à espreita, maliciosos e infiéis, que têm a pata de veludo; há víboras
de língua venenosa cujo restante tem emprego, há aranhas, moscas, pulgas e
percevejos sempre incômodos e insuportáveis; há sapos que só dão pavor e
veneno; há corujas que temem a luz. Quantos animais não vivem debaixo da terra
somente para se preservar! Quantos cavalos não empregamos em tantas coisas e
não abandonamos quando já não servem; quantos bois não trabalham a vida toda
para enriquecer aquele que lhe impõe o jugo; quantas cigarras que passam a vida
a cantar; lebres que de tudo têm medo; coelhos que se assustam e sossegam num
prisco; porcos que vivem na devassidão e no lixo; canários domesticados que
logram seus semelhantes e os atraem para a rede; corvos e abutres que só vivem
de podridão e corpos mortos!
Quantas aves de arribação não vão de um mundo para
o outro e se expõem a perigos em busca da vida!
Quantas andorinhas sempre à
procura de bom tempo; besouros irrefletidos e sem rumo; borboletas que anseiam
pelo fogo que as queima; abelhas que respeitam a rainha e com regras e
indústria se mantêm!
Quantos zangões errantes e preguiçosos que procuram se
estabelecer às expensas das abelhas!
Quantas formigas cuja previdência e
economia lhes alivia as necessidades!
Quantos crocodilos que fingem derramar
lágrimas para devorar quem com elas se comove! E quantos animais subjugados
porque ignoram sua força!
Todas essas
qualidades têm o homem, e pratica com os outros homens tudo o que praticam os
animais de que falamos.
Hammed
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