"O QUE ESTÁ POR DENTRO É LANÇADO
FORA."
As mentiras que mais nos causam danos e nos
impedem o crescimento espiritual não são tanto as que verbalizamos, mas as que
contamos inconscientemente para nós, aquelas que projetamos. - Hammed
"OS DOIS ALFORJES"
Um dia, Júpiter
convocou todos os animais para comparecerem diante dele, a fim de que,
comparando-se com os outros, cada animal reconhecesse o próprio defeito ou a
própria limitação. Assim, Júpiter poderia corrigir as imperfeições.
E os animais,
um a um, elogiavam a si próprios, gabavam-se de suas qualidades e só relatavam
os defeitos alheios.
O macaco, ao ser questionado se estava feliz com seu
aspecto, respondeu:
_ Mas claro que
sim! Cabeça, tronco e membros, eu os tenho perfeitos. Em mim, praticamente, não
acho defeitos. É pena que nem todo o mundo seja assim ... - Os ursos, por
exemplo, que deselegantes!
O urso veio em
seguida, mas não se queixou de seu aspecto físico, até se gabou de seu porte.
Fez críticas aos elefantes: orelhas demasiadamente grandes; caudas
insignificantes. Animais grandalhões, sem graça e sem beleza.
Já o elefante
pensa o oposto e se acha encantador; porém, a natureza exagerou, para o seu
gosto, quanto à gordura da baleia.
A formiga, ao
falar da larva, franze o rosto: - Que pequenez mais triste e feia!
Assim são os
homens. É como se lhes tivessem colocado dois alforjes (duplo saco, ligado por
uma faixa no meio (por onde se dobra), formando duas bolsas iguais; usado ao
ombro ou no lombo nos animais, de forma que um lado fique oposto ao outro): no
peito, o alforje com os males alheios, e nas costas, o - alforje com os
próprios males. De tal modo que eles são cegos quanto aos próprios defeitos,
mas enxergam com nitidez os defeitos dos outros.
" O QUE ESTÁ POR DENTRO É LANÇADO
FORA"
Uma forma de
evitar claramente que sensações, pensamentos, impulsos ou lembranças cheguem ao
nosso consciente tem o nome de transferência ou projeção.
Projetar nossas
ações e emoções nos outros, agindo como se elas não nos pertencessem, e recusar
nosso mundo íntimo, não aceitando as coisas em nós como elas realmente são,
pode se tornar um constante "acessório psicológico", um processo
preferencial do ego.
O método para
projetarmos nossa vida íntima em outra pessoa funciona de certa forma em duas
etapas: negação e deslocamento.
Primeiro, um
fato ou acontecimento que provoca um sentimento inadequado é negado, bloqueado
do consciente e deslocado para o mundo externo. Tomemos por exemplo: um
indivíduo que num determinado momento da vida teve um desentendimento com uma
pessoa e desenvolve um sentimento de antipatia e aversão por ela pode,
posteriormente, julga que superou as diferenças e que aquele episódio é uma
"página virada". No entanto, ele não consegue perceber que sua emoção
pode ter sido inconscientemente projetada sob forma de uma suposta antipatia e
aversão dessa pessoa por ele. O que estava dentro foi jogado para fora.
Uma vez que é
atribuida a outras criaturas, a sensação de aversão é notada como completamente
alheia, não nos pertence, não nos diz respeito. É, simplesmente, de outrem;
jamais nossa. Nós somos bons e perdoamos, mas os outros são maus, rancorosos e
não perdoam.
"Assim são
os homens. É como se lhes tivessem colocado dois alforjes: no peito, o alforje
com os males alheios, e nas costas, o alforje com os próprios males. De tal
modo que eles são cegos quanto aos próprios defeitos, mas enxergam com nitidez
os defeitos dos outros."
É comum
encontrar no dia-a-dia indivíduos que apresentam comportamento idêntico. Ao
invés de se dedicarem à tarefa de conscientização da própria vida íntima,
evidenciam o argueiro no olho do vizinho e, por conseqüência, potencializam a
trave que lhes obscurece a visão do mundo anterior.
As mentiras que
mais nos causam danos e nos impedem o crescimento espiritual não são tanto as
que verbalizamos, mas as que contamos inconscientemente para nós, aquelas que
projetamos.
Vivemos ilusões
quando desfiguramos a realidade de nossa experiência ou a verdade de nosso ser
e adotamos um "papel" que não corresponde à verdade. Apresentamos
aqui o que em linguagem informal denominamos "máscaras": são elas que
turvam nossa verdadeira realidade interior; é delas que nos servimos para
lançar fora o que está em nossa intimidade.
Projetamos e
interpretamos papéis quando nossas reivindicações internas não são admitidas,
ou são contrárias àquelas que estão sendo solicitadas pelo mundo externo.
Projetamos e
interpretamos "scripts" quando nossas exigências pulsionais
(processos psíquicos fortemente emocionais, impulsivos e basicamente
irracionais) entram em choque com as regras e normas sociais, passando do campo
da consciência para o da inconsciência .
Representamos
como se fôssemos verdadeiros atores, interpretando uma personagem no palco ou
no cinema, quando nos colocamos diante de alguém como sendo mais do que somos;
quando dissimulamos um amor ou um desinteresse que não sentimos; quando nos
mostramos alegres, e na realidade estamos tristes; quando aparentamos uma
frieza que não experimentamos; quando escondemos e mantemos em segredo tudo
aquilo que mais queremos e desejamos; quando aderimos a associações de caráter
recreativo, cultural, artístico, religioso, político, social, etc., para obter
benesses que não merecemos, recebendo elogios e reconhecimento.
O crescimento
pessoal exige, acima de tudo, coerência, o que significa que o si-mesmo (Self
em inglês) deve estar numa relação harmônica entre o que se sente e o que se
vive; deve haver uma identidade ou semelhança entre as partes de um todo.
Por que
falsificamos nossa realidade? Afinal, o que conseguimos com isso? Danificamos
nossa própria intimidade e atravessamos toda uma existência com a angustiante
sensação de sermos impostores ou farsantes. Além disso, vivemos aprisionados à
angústia e ao medo de um dia descobrirem quem realmente somos.
O alvorecer do
despertar manifesta-se no ser amadurecido quando a luz da consciência ilumina
não apenas as áreas externas, mas, acima de tudo, as internas. Muitos
indivíduos se satisfazem apenas por possuírem os olhos físicos, que lhes
oferecem uma visão parcial ou incompleta da vida. Mas para vermos as coisas
tais como são, é preciso desenvolvermos a acuidade do olho que esclarece,
ilumina e guia - aquele voltado para o mundo Íntimo. A partir daí, cessamos de
projetar de forma contínua.
Como todos os
nossos companheiros de viagem transcendental, desejamos preencher ou compensar
o vazio existencial que sentimos por não vivermos a essencialidade de nosso
ser.
(..) Deus
suprirá todas as suas necessidades de acordo com as riquezas de sua glória ...
" (Filipenses, 4:19)
Nossos anseios
de ser e de possuir alguma coisa são, no fundo, a compensação da falta de não
termos quase nenhuma consciência do que somos e nem para que fomos criados.
CONCEITOS-CHAVE
A - NEGAÇÃO
É a recusa de
aceitar as coisas como são. Na negação, embora os fatos e as circunstâncias não
estejam completamente apagados do consciente, como acontece na repressão, eles
estão recolocados de tal forma que distorcem ou encobrem a realidade.
B - DESLOCAMENTO
É o mecanismo
psicológico de defesa através do qual a pessoa substitui a finalidade inicial
de uma pulsão por outra diferente e socialmente menos desastrosa. Durante uma
discussão, por exemplo, a pessoa tem um forte impulso em esmurrar a outra;
contudo, acaba deslocando tal ímpeto para uma garrafa, que ela quebra sobre a
mesa. Também pode ser qualificado como uma idéia ou vivência que são trazidas
simbolicamente na mente por uma outra idéia ou vivência que estejam
emocionalmente associadas. Por exemplo: uma criatura que teve uma experiência
amorosa desagradável com alguém no passado reage, no presente, com desprezo ou
aversão por todos aqueles que se aproximam dela afetivamente.
C - SI-MESMO
Sustenta Carl
Jung que trazemos em nosso íntimo um arquétipo principal, que ele denominou
Si-mesmo. Segundo as teorias junguianas, "o Si-mesmo não é apenas o
centro, mas também toda a circunferência que contém em si tanto o consciente
quanto o inconsciente". Jung afirmava que o 'Self' preside a todo o
governo psíquico, é uma autoridade suprema e é considerado a unificação, a reconciliação,
o equilíbrio dinâmico, um fator interno de orientação do mais alto valor.
MORAL DA HISTÓRIA:
Sempre que
distinguimos alguma coisa fora de nós e a reprovamos em demasia como sendo
perniciosa, perigosa, pervertida, imoral, e assim por diante, é provavel que
ela represente conteúdos existentes em nós mesmos, sem que os reconheçamos como
possíveis características nossas. A ameaça é tratada como se fosse uma força
externa, e não interna. Se afirmarmos categoricamente "todos são
desonestos", estamos, na verdade, tentando projetar nos outros nossas
próprias tendências. Ou então, ao dizermos "tudo gira em torno de uma só
coisa: sexo", podemos estar direcionando nossa disposição interna nas
demais criaturas, por estarmos pessoalmente insatisfeitos. Muitas vezes dizemos
"é inexplicável como aquela pessoa não gosta de mim", quando, na
realidade, somos nós que não gostamos dela, sem nos darmos conta.
REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO
"Um dos
defeitos da Humanidade é ver o mal de outrem antes de ver o que está em nós. Para se julgar a si
mesmo, seria preciso poder se olhar num espelho, transportar-se, de alguma
sorte, para fora de si e se considerar como uma outra pessoa, em se
perguntando: Que pensaria eu se visse alguém fazendo o que faço?" (ESE,
cap. X, item 10, Boa Nova Editora)
"Hipócrita!
tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do
olho do teu irmão." (Mateus, 7:5.)
"DEPLORAMOS COM FACILIDADE OS DEFEITOS
ALHEIOS, MAS RARAMENTE NOS SERVIMOS DELES PARA CORRIGIR OS NOSSOS."
LA
ROCHEFOUCAULD
HAMMED