No alto de uma árvore, um corvo segurava no bico um pedaço de carne.
Uma raposa, atraída pelo cheiro, aproxima-se e lhe dirige a palavra:
‚ Ei! Bom dia, senhor corvo! Como o senhor está lindo! Como é bela a sua plumagem! Se o seu canto for tão bonito quanto ela, sinceramente, o senhor será a fênix dos convidados destas florestas.
E para mostrar sua “melodiosa” voz, ele abre o grande bico e deixa cair a presa.
A raposa se apodera da carne e diz ao corvo:
‚ Meu bom senhor, aprenda que todo adulador vive à custa de quem o escuta. Esta lição vale, sem dúvida, pela carne que agora comerei.
O corvo, envergonhado e aborrecido, jurou, embora um pouco tarde, que nunca mais se deixaria levar por elogios.
A TEIA DA ADULAÇÃO
Indivíduos imaturos gostam das pessoas não por aquilo que elas são, mas por aquilo que elas os fazem sentir.
O elogio é um dos mais fortes aliados da sedução, é algo de que esta se serve frequentemente na "arte da adulação" para atrair e conquistar coisas ou pessoas. Lisonja é a expressão acentuada que emoldura reais ou fictícias qualidades, ações ou feitos de alguém, utilizando dissimulação dos próprios sentimentos, intenções, desejos. A função primordial da lisonja é evidenciar qualidades que não existem.
A partir do momento em que se deseja e em que se busca algo, a sedução poderá ocorrer. Inicia-se de modo capcioso o processo de atrair direcionado aos pontos vulneráveis de alguém. Quase sempre provoca nele uma reação de grande prazer, sensação de deslumbramento, encanto e fascínio ao exaltar uma suposta qualidade sua.
Adular é exaltar de forma exagerada os feitos ou o modo de ser de um indivíduo para a obtenção de favores e privilégios. A adulação é a capacidade de convencer com artimanha, persuadir com astúcia, sob promessa de vantagens, aplausos e engrandecimento, pessoas submissas à vontade de outrem ou dependentes da opinião alheia.
Existem várias formas de magnetizar utilizando a teia da bajulação, e são inúmeras as táticas da sedução. Vão desde pequenas expressões e entonações especiais ao se movimentar o corpo, mãos e braços até ao se pronunciar uma breve frase aparentemente sem intenção. Analisados nas entrelinhas, tais procedimentos revelarão um intuito ardiloso, imperceptível de imediato, mas altamente arrebatador.
Como esse jogo da sedução, ou melhor, essa estratégia psicológica se processa em nossa intimidade?
O primeiro requisito para a compreensão desse procedimento é avaliarmos o grau de persuasão ou intencionalidade do sedutor, pois é ele que determina a força e a intensidade que serão lançadas à criatura suscetível à sedução. E o segundo requisito é admitirmos a suscetibilidade do seduzido, porque este indivíduo deslumbrado tem em sua intimidade uma tendência ou predisposição para ceder a esse tipo de influência e se deixar contaminar pela adulação.
O aplauso ou o elogio que ele busca, muitas vezes à custa dos outros, pode ser fruto de privação emocional ou de falta de autoaprovação na vida pessoal. A incerteza íntima leva-o a questionar o valor de seu desempenho e a estar sempre tentando provar sua importância por meio de louvor e apoio. Sua carência de autovalorização é atenuada com manifestações de enaltecimento.
Mais cedo ou mais tarde, será envolvido por uma aura de fracasso, porquanto a necessidade de sucesso se torna cada vez mais intensa. Por fim, não consegue demonstrar sua superioridade e acaba frustrado.
Para que possamos compreender esse fenômeno psicológico, é imprescindível aceitarmos que “onde há uma ‘raposa’ sedutora, sempre haverá um ‘corvo’ seduzido; onde há um trapaceado, sempre haverá um trapaceiro”. Existe nesta parceria uma retroalimentação de atitudes íntimas – a ação controla a conduta e vice-versa.
Quem adula suborna o outro. Suborno não é simplesmente dar dinheiro ou bens a terceiros com a finalidade de conseguir alguma coisa ilegal, mas, igualmente, dar fictícias qualidades, servir-se da fraqueza alheia, adulterar as possibilidades de alguém, utilizando manifestações exteriores que tendem a exagerar ou enaltecer descompensações psíquicas com o intuito de tirar algum tipo de vantagem.
Existem criaturas que se autoenganam, crendo que o comportamento dos outros é apenas um "erro bondoso" ou equivocada demonstração de afeto. De alguma maneira, tudo aquilo que não é claramente definido ou entendido estimula a repetição de atos e atitudes, quer dizer, a perpetuação de comportamentos intrusivos.
"Como o senhor está lindo! Como é bela a sua plumagem! Se o seu canto for tão bonito quanto ela, sinceramente, o senhor será a fênix dos convidados destas florestas." O ser amadurecido impõe respeito e não cede diante da adulação.
Entre adulação e admiração há uma divergência incondicional: o que admira não adula; o que adula não admira. A adulação é uma porta escancarada para o favoritismo, mas muito estreita para aqueles dotados de autoconfiança. A vaidade é a ostentação dos que procuram lisonjas, ou a ilusão dos que querem ter êxito diante do mundo, e não dentro de si mesmos.
CONCEITOS-CHAVES
SEDUÇÃO
Somos ensinados, desde a mais tenra idade, a resistir às seduções exteriores e explícitas, mas não estamos preparados para tomar consciência daquelas sutis e imperceptíveis. Vangloriamo-nos quando resistimos a algumas horas de sono a mais, a um romance casual, a uma fatia de bolo, mas nos entregamos, sem avaliar, às ínfimas seduções, ou seja, àquelas que nos impedem de sentir nossas emoções íntimas - alegria, raiva, tristeza, amor, medo e outras tantas. Sem discernimento do que elas podem nos mostrar, não podemos ter uma verdadeira consciência da realidade que nos cerca.
INSEGURANÇA
A insegurança traz à criatura um estado íntimo de desagrado e descontentamento, pois ela espera que os outros façam o que ela própria não consegue realizar, isto é, suas necessidades emocionais básicas. O inseguro busca nas pessoas consideração, valorização, afeto, aceitação, etc.; tem dificuldade para tomar decisões; é hesitante, embaraçado; espera muito dos outros e confia pouco em si mesmo .
SUBORNO
Não é somente dar dinheiro ou objetos de valor a alguém com a finalidade de ganhar ou obter coisas de forma ilegal; é também a atitude astuta de fazer promessas, oferecer dádivas, préstimos, afeto, carinho, a quem quer que seja, a fim de conseguir proveito ou vantagem pessoal.
MORAL DA HISTÓRIA
Assim como o corvo, há na sociedade homens que se deixam levar por elogios: são inseguros e desprovidos de coerência e geralmente não atingem o ideal pretendido ou não realizam seu projeto de vida. Precisariam reconhecer e valorizar seus potenciais internos, não dar importância a adulações, opiniões e julgamentos alheios e entender que ninguém pode desejar ser diferente da finalidade para a qual foi criado. Uma das consequências a longo prazo de conviver num ambiente doméstico sem organização e estrutura - seja como crianças, seja como adultos - é que não se adquire segurança para viver. Quem desenvolve sua individualidade não cria ilusões, pois tem as próprias razões e discernimentos perante a vida.
Fonte: La Fontaine e o Comportamento Humano – Francisco do Espírito Santo Neto, pelo
Espírito Hammed. Ed.Boa Nova.