Todos os dias vemos os meios de comunicação noticiarem a assustadora escalada dos índices de violência que, dia após dia, contabilizam novas vítimas no seio da sociedade. Bandidos que matam a sangue frio. O crime desenvolvendo-se de forma a tornar-se progressivamente mais organizado. O tráfico de drogas que já arregimenta para as suas fileiras jovens e crianças.
A nação brasileira vem se sentindo refém e impotente diante desta realidade cada dia mais sombria. Diante de tal situação, premida pelo medo e pela dor da perda de entes queridos que tombam como estatísticas deste quadro que já ultrapassou a barreira do “crítico”, a sociedade passa a bradar pela paz, se reunindo nas vias públicas, vestindo o branco simbólico, soltando pombas e fazendo protestos veementes.
Cobram do governo políticas mais duras para com os delinqüentes: aumento das penas, prisão perpétua, e não faltam os que demandam pela instituição da pena capital. Querem paz, paz, paz!!!
É hora de fazermos uma reflexão profunda sobre esta grave problemática que assola o país. Para tanto propomos dois questionamentos simples: 1º - Que tipo de paz você quer? ; 2º - O que você faz pela paz?
Analisando a primeira interrogação, vejamos inicialmente como é formada a sociedade do ponto de vista econômico.
Simplificadamente, temos uma minúscula parcela detentora da maior parte da riqueza existente no país (classe alta). Uma razoável parcela de poder aquisitivo mediano (classes média e média baixa), e uma grande fatia que sobrevive abaixo da linha da pobreza, que não come todos os dias, não tem acesso à escolaridade, à saúde, à moradia digna, ao saneamento básico, ou mínimas oportunidades de inclusão social.
Que tipo de paz você quer, tenta responder primeiro de quais parcelas da população são formadas as pessoas que clamam nas ruas por paz, e também o que elas buscam com esse apelo.
Bom, não é preciso ser nenhum mestre em sociologia para descobrir que o corpo das manifestações é formado em sua maioria pelas classes média e alta. O que elas buscam com esse apelo também não é tarefa impossível de se decifrar. O que é singular, porém, é que o brado se restringe ao objetivo de por um basta ao problema da violência urbana.
O notável reside justamente no fato de se restringir à solução da questão violência. Não me consta que destes manifestos constem clamores contra a fome, desigualdade social ou miséria.
Não vejo a “sociedade” nas ruas pedindo socorro pelos miseráveis. Aí se evidencia cristalino o egoísmo e a indiferença da sociedade da qual fazemos parte, tamanho a caracterizar-se como escândalo moral, igual ou maior que o fenômeno da violência urbana.
Reflitamos:
Já paramos para pensar que das maiores violências cometidas contra o ser humano é roubar-lhe as expectativas de vida? Que um favelado, filho de pai desempregado e bêbado e de mãe biscateira, que não come todos os dias, não tem acesso à escolaridade, muito menos ao emprego, se vê aos dezessete anos em estado de abandono social praticamente completo?
E que aos dezessete anos ele olha para o seu futuro e se vê aos cinqüenta (se chegar lá) rigorosamente na mesma situação de vida? E que tal descobrirmos que em situação igual à deste cidadão existem aos milhões nas periferias e nos bolsões de miséria pelo país a fora?
Olhemos por outro ponto de vista.
É fora de dúvida que para nós (classe média e alta), que mal sabemos ao certo o que realmente é a miséria, o simples imaginar passar-se um dia num presídio é algo inconcebível porquanto traria um sofrimento e degradação insuportáveis.
Por outro lado, para aqueles que nasceram e cresceram na miséria o risco de ir para a prisão ao cometer um crime praticamente não assusta, porque já vivem numa realidade tão dura que não vêem como um “fim do mundo” terminar atrás das grades. Para quem sobrevive a cada dia em meio à desgraça, a prisão não possui o poder de intimidação que imaginamos ter, mesmo a perpétua ou até a pena de morte, posto que a morte é sua companheira íntima, ao ponto de lhe vêem a face quase que diariamente.
Neste ponto muitos devem estar se perguntando se sou um louco que defendo a delinqüência e a violência como meio de revolta social. Não, jamais! Abaixo a violência! O que desejo, porém, é descortinar a hipocrisia que jaz no seio desta mesma sociedade que brada por paz!
Voltemos às duas perguntas: 1º-Que paz você quer? e 2º-O que você faz pela paz?
O que vemos nas manifestações atuais pela paz é a união das classes socialmente incluídas que, hipócritas e indiferentes ao sofrimento de seus irmãos miseráveis, apenas clamam pelo restabelecimento da paz. O seu único objetivo é de não serem importunados pelas dores dos desgraçados, que as suas vidas possam continuar transcorrendo normalmente, enquanto, impassíveis a tudo quanto se passa ao redor, a fome e inúmeras outras formas de violência contra o ser humano grassam fora dos condomínios privados e das cercas de segurança eletrificadas.
Que paz você quer, meu amigo? Aquela que te convém? A paz da indiferença hedionda? Aquela que só combate a violência cometida contra os seus filhos? E os filhos dos seus irmãos favelados, como ficam?
Esta primeira pergunta leva necessariamente à segunda: O que você faz pela paz? Este questionamento é também poderosamente útil para desvelar a omissão social das classes não excluídas. Elas exigem dos Governos que descubram e adotem fórmulas mirabolantes que, como passe de mágica, venham a resolver o problema da violência.
Vejam, a sua insensibilidade é tamanha que os tornam cegos ao ponto de não conseguirem enxergar algo que está mais que evidente: é impossível ao Estado resolver esta questão sozinho, uma vez que ela envolve a vida de milhões de brasileiros miseráveis.
Será que a atitude correta é somente sair pelas ruas portando cartazes e soltando as pombas da hipocrisia enquanto nada fazem que de concreto concorra para diminuir as desigualdades sociais, para minorar o sofrimento do teu irmão?
É verdade que existem muitas pessoas das classes favorecidas que procuram fazer algo pelos menos afortunados, mas que infelizmente são uma ínfima minoria frente ao grande contingente que cruza os braços, fecha olhos e ouvidos aos gemidos de dor e sofrimento dos desassistidos. Cuidam apenas da sua vida profissional e do bem estar da sua família, insensíveis às vicissitudes por que padecem outros tantos seres.
Quando a sociedade vai compreender que nem presídios maiores e mais seguros, nem penas maiores, nem toda a tecnologia científica, nem nenhum tipo de medida traçada nos escaninhos dos gabinetes governamentais, mesmo dotada de toda a boa intenção, vai ser suficiente para extinguir o grave problema social que enfrentamos.
Enquanto um bandido é morto em confronto com a polícia e outro preso e encaminhado para a “universidade” do crime chamada presídio, 50 novos adolescentes são alistados nas hostes da delinqüência, seduzidos pela expectativa de saírem do “buraco negro social” em que vivem.
Um brado se faz necessário, mas pelo despertar das consciências que adormecem o sono da indiferença.
Somente com o desenvolvimento do sentimento de humanidade, de responsabilidade social e de solidariedade, aqueles mesmos que fazem com que enxerguemos a todos como irmãos, é que se vai conseguir modificar os quadros tristes de violência que existem atualmente. O problema tem que ser combatido firmemente, mas no seu nascedouro.
Tivemos o exemplo de pessoas dentro da sociedade que dedicaram a sua vida ao desenvolvimento de atividades assistenciais belíssimas e que produzem um bem social enorme no seio da comunidade em que atuaram ou atuam.
Temos a abnegada freira baiana Irmã Dulce, cujo fervor e devotamento pelo próximo deixou um legado que comporta além de um hospital que socorre diariamente a milhares de desvalidos, escolas e outras obras de grande importância.
O ilustre médium espírita Divaldo Pereira Franco, cuja casa de caridade Mansão do Caminho já completou meio século de atividade atendendo a crianças, idosos e jovens (inclusive com cursos profissionalizantes). E como estas duas grandes personalidades citadas, existem outros tantos pelo Brasil afora que levam na luz do seu coração generoso o ósculo da caridade.
Não é necessário que nos tornemos todos Divaldos ou Irmãs Dulces, não precisamos viver exclusivamente para as práticas sociais, mas, com certeza, com um mínimo de engajamento de todos podemos transformar muito da realidade em que vivemos.
Os exemplos mencionados demonstram o tamanho do poder de realização do indivíduo comprometido socialmente. São poucos que fazem muito. O ideal porém é que todos colaborem, porquanto se todos fizerem um pouco o resultado será positivamente avassalador.
Nesta guerra contra a violência, talvez o mais importante passo a tomar seria voltar os olhos para si mesmo e perguntar: o que eu faço pela paz ?
O Mensageiro.
Henrique Borges Guimarães Netto