Sílvia Lisboa reportagem: Fronteira Agência de Jornalismo fotos: Sendi Morais / Revista Galileu
O despertador toca às 7h, mas você sai da cama meia hora depois. Pela terceira vez na semana chegará atrasado ao trabalho. No almoço, o suco natural é de graça, mas você paga por um refrigerante. Ao chegar em casa cansado à noite, passa horas na internet até se dar conta de que são 1h da manhã. No dia seguinte, o despertador irá tocar às 7h novamente e você já sabe o que vai acontecer. A consequência é que o chefe sempre olha torto, o ponteiro da balança só sobe. Você se sente frustrado por saber o quanto esses comportamentos repetitivos atrapalham — mas não consegue mudá-los. Que bom seria se existisse uma fórmula para eliminar os maus hábitos. Pois a ciência aponta que sim. Mais do que subtrair comportamentos ruins, você poderá somar bons. O resultado será uma vida muito melhor.
Nos últimos anos, pesquisas vêm mostrando que o caminho para se livrar de um mau costume não é tentar eliminá-lo, mas trocá-lo por um bom. “Se você consegue diagnosticar seus hábitos, pode transformá-los no que quiser”, diz Charles Duhigg, jornalista americano que compilou os mais importantes estudos sobre o tema em seu recente livro The Power of Habit: Why We Do What We Do in Life and Business (O poder do hábito: por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios, ainda sem edição no Brasil).
Pesquisas mostram que não é verdadeira a máxima de que mudamos pouco ao longo da vida. É possível deixar para trás comportamentos que nos incomodam — como assistir à TV até de madrugada, tomar café demais ou enrolar no trabalho. Basta seguir alguns conselhos cientificamente comprovados.
A FÓRMULA DO HÁBITO
Para reverter um mau costume, primeiro é preciso entendê-lo. Pesquisadores do Departamento de Ciência do Cérebro e Cognitiva do MIT descobriram que o hábito é um ciclo composto de 3 etapas. Primeiro surgem os gatilhos que acionam determinado comportamento; depois, uma rotina se instaura; em seguida, vem a recompensa que motivou a busca.
O padrão foi observado em ratos que foram colocados dentro de uma caixa em forma de T com um chocolate na ponta esquerda. Os roedores ouviam um estalo alto quando a porta de acesso às pontas do T era aberta. O barulho era a pista. Os animais cheiravam a caixa, iam à direita e depois encontravam o chocolate à esquerda. O experimento foi repetido várias vezes. À medida que as cobaias aprendiam onde estava o chocolate, elas ouviam o estalo (gatilho), iam diretamente à esquerda do T (rotina) para comer o doce (recompensa), sem ter dúvidas sobre o caminho. Pronto: estava criado o hábito.
Nós também passamos por esse processo constantemente. Afinal, hábitos são uma estratégia da natureza para nos poupar. Eles funcionam como um atalho do cérebro para executar algumas ações de forma automática, sem pensar. Imagine ter que queimar neurônios em tarefas simples como escovar os dentes, comer, dormir ou amarrar os sapatos. “Hábitos permitem preservar energia para coisas complicadas”, diz Wolfram Schultz, professor de neurociência da Universidade de Cambridge, Inglaterra. A economia não é pouca. Cerca de 45% de nossas ações diárias são automáticas. Elas estão entranhadas em nossos neurônios.
A história de um americano de meia idade ilustra bem isso. Após sofrer uma encefalite viral, que prejudicou sua capacidade de reter informações básicas, como a própria idade, Eugene Pauly continuou seguindo sua rotina. Mesmo incapaz de dizer onde ficava a cozinha de casa, se dirigia ao local quando sentia fome. Ele não conseguia explicar ao médico por que sabia que na cozinha tinha comida, mas uma parte do seu cérebro não afetada pelo vírus havia guardado aquela informação e o levava automaticamente para lá. Pauly ainda podia prestar atenção nos gatilhos — seu estômago roncando — e tinha a rotina de se dirigir à cozinha para conseguir a recompensa de se alimentar. Ou seja, ele ainda podia seguir o ciclo do hábito.
O estudo do caso levou o pesquisador Larry Squire, da Universidade da Califórnia, a descobrir que existe uma área cerebral responsável por armazenar hábitos: o núcleo da base, região próxima à nuca e mais antiga do cérebro do ponto de vista evolutivo. É lá que guardamos os aprendizados por repetição. Quando você liga o carro, por exemplo, esta região aciona automaticamente os ensinamentos que você teve na auto-escola e você sai dirigindo, com o resto dos neurônios praticamente adormecidos.
O problema é que, ao mesmo tempo em que nosso cérebro segue a lei do mínimo esforço, ele busca prazer a todo custo. E hábitos trazem recompensas, daí o risco de serem desenvolvidos em excesso — e de automatizarmos comportamentos que nos prejudicam.
A solução é entrar no jogo e seguir o ciclo do hábito, mas a nosso favor. Precisamos, então, criar gatilhos, rotinas e recompensas que só nos façam bem. “Para o cérebro, não faz diferença de onde veio a gratificação, se da comida ou da prática de esportes. Ele só quer sua injeção de dopamina”, afirma o psiquiatra Paulo Knapp, autor do livro Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica, abordagem terapêutica focada em mudança de comportamentos e crenças.
Já que nossa cabeça não está interessada em saber a origem do prazer que move um hábito, ela pode ser treinada para automatizar apenas os bons. Aí sim começa a verdadeira mudança.
SOMAR PARA SUBTRAIR
Depois de levar indiretas da esposa sobre sua recém-adquirida barriguinha, Charles Duhigg, que trabalha no New York Times, decidiu parar de comer rosquinhas com gotas de chocolate no café da tarde todo dia. O desafio estava lançado e, para alcançá-lo, Duhigg fez um verdadeiro diagnóstico de sua rotina: passou a anotar o horário em que sentia vontade de comer os biscoitos, o que fazia logo antes e depois. Observou que, sempre por volta das 15h, quando se entediava com o trabalho, deixava sua mesa e ia até a lanchonete do jornal saborear os biscoitos, enquanto batia papo com os amigos.
Mas Duhigg decidiu quebrar o ciclo. Ele passou a testar várias hipóteses de substituição dos biscoitos quando o gatilho fosse disparado. No primeiro dia, quando o relógio apontou 15h, levantou e deu uma volta na quadra. No segundo, voltou à cafeteria, mas comprou outro doce. No terceiro, foi até lá de novo, mas não comeu nada, apenas bateu papo com os amigos. “Estava tentando descobrir a gratificação de que eu realmente necessitava.”
Duhigg percebeu que o hábito não tinha nada a ver com os cookies, mas com a vontade de socializar. “Agora, às 15h, eu levanto, bato papo com um amigo por 10 minutos e volto para a mesa”, diz. A nova rotina levou embora cerca de 5,5 kg, bem mais do que os 3,5 kg que ele havia adquirido. O jornalista usou o mesmo gatilho (tédio às 15h) para chegar à recompensa (prazer de estar com os amigos), porém com uma rotina diferente: levantar para conversar, não para ir comer.
Moral da história: identificar as 3 etapas de um hábito ruim é o primeiro passo para mudá-lo. “Esse simples exercício ajuda as pessoas a entender determinados comportamentos e encontrar formas de resolvê-lo”, diz o professor de psicologia da Universidade de Virgínia, nos EUA, Timothy Wilson, autor de Redirect: The Surprising New Science of Psychological Change (Redirecione: a surpreendente ciência da mudança psicológica, ainda sem edição no Brasil), lançado em setembro de 2011. Conhecer todas as fases do ciclo é importante para atacarmos a rotina, etapa em que mais temos poder contra os maus hábitos.
Tome como exemplo um experimento feito por um major do exército americano na cidade de Kufa, no Iraque. Após analisar vídeos de brigas em uma praça, ele percebeu que as confusões eram frequentemente precedidas pela aglomeração de gente. Ao longo de horas, as pessoas, assim como os carrinhos de kebab, iam chegando ao local. Até que, em um momento, alguém jogava uma pedra ou uma garrafa e, pronto, estava instalada a confusão.
Percebendo o padrão, o major pediu ao prefeito para proibir a venda de comida na praça. Algum tempo depois, as brigas acabaram. As pessoas continuavam chegando aos poucos ao local no mesmo horário. Às vezes, alguém até gritava um palavrão. Mas logo as pessoas ficavam com fome e, sem ter o que comer, iam embora. Antes das 20h, a praça já estava vazia — e em paz. “Entender hábitos é a coisa mais importante que aprendi no exército”, diz o major. Se funciona até em situações de conflito, imagine na guerra contra os brigadeiros ou o despertador. Até mesmo quem tem uma lista de maus hábitos tem chance de vencê-los, desde que saiba escolher o alvo certo.
O X DA QUESTÃO
Um estudo ainda em curso financiado pelo governo dos EUA vem mostrando que não importa o tipo de hábito que você quer abandonar: excesso de café, atrasos na aula ou perda de tempo na internet. Todos podem ser substituídos por outros melhores, desde que você concentre esforços em apenas um deles. “O hábito nunca vem sozinho. É um pacote. Precisamos saber qual é o hábito-mestre para desmontá-lo”, diz a bióloga e geneticista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, Ivana da Cruz.
No estudo americano, neurologistas, psicólogos, geneticistas e um sociólogo pesquisam há 3 anos a rotina, o cérebro e até as sequências de DNA de 24 voluntários que conseguiram mudar hábitos difíceis em um prazo curto. A ideia é descobrir o que exatamente leva as pessoas a abandonarem comportamentos prejudiciais — e o que ocorre no cérebro ao se livrar deles. Uma das participantes da pesquisa, a americana Lisa Allen, elegeu o cigarro como seu hábito-mestre a ser atacado e tornou-se o caso mais emblemático analisado pelos cientistas americanos.
Lisa tinha começado a fumar e beber com 16 anos. Aos 20, suas dívidas bateram a casa dos US$ 10 mil e ela não parava em emprego algum. Perto dos 30, seu casamento ruiu. E Lisa decidiu dar uma guinada na vida. Primeiro, cortou o cigarro, e, num ciclo virtuoso, passou a correr, se alimentar melhor e ter disciplina no trabalho. Após 6 meses, havia emagrecido 27 quilos e tinha as finanças em perfeita ordem.
Durante os experimentos, ao expor Lisa a imagens de seus antigos vícios, como cigarro e comida, os pesquisadores observavam que o sistema de recompensa em seu cérebro era ativado, ou seja, seus neurônios ficavam ávidos pela satisfação proporcionada por aqueles maus comportamentos. Porém, agora, a mesma gratificação também era obtida pela endorfina liberada no corpo de Lisa quando ela sentia o vento bater no rosto durante os treinos de uma maratona. Isso passou a ocorrer porque uma nova área cerebral, responsável pela inibição e a autodisciplina, entrou em ação de modo mais acentuado.
Ao mudar seus comportamentos, Lisa também transformou seu cérebro. Ela o reeducou para se satisfazer com o que lhe fazia bem. Para isso é preciso empenho. Pois, em tese, hábitos não foram feitos para serem mudados.
VONTADE²
No cérebro, os hábitos formam rotas neuronais bem sedimentadas, feitas justamente para não serem alteradas. “Em teoria, o sistema do hábito está imune à razão e emoção, ocorre de forma independente e é resistente à mudança”, diz Claudio Da Cunha, biólogo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), líder de uma das pesquisas mais citadas nesse campo.
Um estudo com 1.024 universitários feito na UFSM mostrou como um hábito ruim, comer demais, se torna inconsciente. Primeiro, os pesquisadores fotografaram e pesaram os pratos dos estudantes no Restaurante Universitário. Seis meses depois, enviaram 4 fotos dos pratos por e-mail para 209 voluntários e pediram para que elegessem um deles.
Dentre os 77 que responderam, a maioria com sobrepeso e obesidade escolheu o mesmo prato de meio ano antes. “Isso mostra como o hábito de comer aquela quantidade e tipo de alimento está tão arraigado que a pessoa não tem mais juízo crítico”, diz Da Cruz, líder da pesquisa. “É por essa razão que a maioria dos regimes não dá certo, pois pressupõe mudança de comportamentos inconscientes.” Um hábito é fruto de um aprendizado. E mudá-lo requer outro aprendizado capaz de promover o nascimento de novos neurônios. Para isso, é preciso mais do que querer.
A simples motivação para fazer ginástica diz muito pouco sobre o sucesso do objetivo, mostrou um estudo de Peter Gollwitzer, professor de psicologia da Universidade de Nova York, nos EUA. Ou seja, querer muito entrar em forma não basta para levá-lo à academia. Baseado nessa constatação, Gollwitzer criou um método que ensina o indivíduo a colocar em prática suas intenções de mudança.
Digamos que você quer começar amanhã a malhar. Então, planeje hoje o grande início, deixando fora do armário a roupa de ginástica (que funcionará como gatilho) para você não ter de procurá-la sonolento no dia seguinte. Depois, coloque o despertador para uma hora mais cedo (criando uma rotina). Faça isso 2 ou 3 vezes por semana. Não se force todos os dias para não tornar o objetivo irreal. “As metas têm de ser realistas para funcionar”, diz o neurocientista e presidente do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino do Rio Jorge Moll, que trabalhou com Gollwitzer nos EUA.
Você também pode se premiar quando conseguir levar adiante o plano: faça uma viagem para compensar o esforço, por exemplo. Mas puna-se se não conseguir cumprir tudo no prazo estipulado. Se as recaídas eventualmente ocorrerem, não desista.
Hábitos só se formam com a repetição. São caminhos gravados em nossos neurônios e não adianta querer eliminá-los, pois eles irão voltar. A não ser que você grave novos (e, de preferência, bons) hábitos por cima. Afinal, nosso cérebro prefere essas ações automáticas a pensar.
Então, aproveite-se dessa preguiça da sua cabeça. Com uma dose de disciplina e persistência, você poderá reprogramá-la. Basta identificar os comportamentos que o incomodam e entender o que os dispara. Logo ficará mais simples substituí-los por coisas que só façam bem. Seja trocar os biscoitos gordurosos por uma conversa com os amigos ou assistir a menos séries de TV e ganhar boas noites de sono. Pense no que você quer mudar e seja positivo. Quando a coisa parecer difícil demais, lembre-se: a vantagem é que só precisamos fazer o esforço uma vez para automatizar o bom comportamento para toda a vida.
MANUAL PARA DIAGNOSTICAR SEU MAU HÁBITO E CONVERTÊ-LO EM UM BOM
PASSO 1: IDENTIFIQUE O CICLO:
Pense primeiro na rotina. Neste manual, tomaremos como exemplo comer um brigadeiro toda tarde (mas a lógica serve para qualquer hábito). O que dispara o comportamento: fome? Tédio? Pouco açúcar no sangue? E a recompensa: é o brigadeiro em si? Mudar de ambiente? A distração temporária? Socializar com os amigos? Para facilitar a investigação, sempre que comer o doce, coloque o relógio para despertar em 15 minutos e se pergunte: você continua com vontade de comer brigadeiro? Se sim, seu hábito não deve ser motivado pelo açúcar. Agora, se você preferiu fofocar com os amigos e agora só pensa em comer brigadeiro, seu hábito não é dirigido pelo contato humano. Para entender isso melhor, vá ao passo seguinte.
PASSO 2: TESTE A RECOMPENSA
No primeiro dia, quando tiver vontade de comprar o brigadeiro, dê uma volta no quarteirão. No segundo, vá à lanchonete, mas compre um biscoito e coma em sua mesa. No terceiro, opte por uma maçã e coma-a enquanto bate papo com colegas.No dia seguinte, experimente apenas fofocar um pouco. A ideia é descobrir a recompensa que você de fato procura.
PASSO 3: ISOLE O GATILHO
Quando surgir a vontade de comer brigadeiro, examine: onde você está? Que horas são? Qual seu estado emocional (entediado, alegre, ansioso)? Quem está por perto? O que você tinha acabado de fazer e o que fará na sequência? Faça isso por 3 dias e descobrirá o gatilho de seu hábito, se é um lugar, horário ou pessoa.
PASSO 4: ELABORE UM PLANO
Se o que dispara seu hábito é um local, evite passar por lá. Se é um horário, programe outra coisa para aquele momento (eleja o que mais deu certo no Passo 2). Vale colocar o alarme para o horário e forçar-se à nova atividade. Com o tempo, ela irá se automatizar e você terá adquirido um bom hábito no lugar do ruim.
( Agradecemos a amiga Loiva Karnopp pela contribuição).