“Com o egoísmo, os homens estão em luta perpétua; com a caridade, estarão em paz.” – Allan Kardec 2
Inegavelmente experienciamos um tempo, que não é de hoje, em que a nossa sociedade planetária vive uma crise ética, bem demarcada pelo descaso com os valores éticos mais fundamentais, pelo desrespeito à vida em suas diferentes formas de manifestação, tanto quanto, pela felicidade do próximo.
As religiões tradicionais não têm dado conta de espiritualizar profundamente os indivíduos, envolvendo-os com adorações exteriores, aprisionando-os às doutrinas que imprimem a sombra nefasta da culpa, a subserviência intelectual aos dogmas e a dependência aos homens e mulheres que ensinam tais propostas.
Quando as religiões se dissociam da espiritualidade distanciam seus profitentes da mensagem do Reino, aliás, como já fizeram os fariseus ao tempo do Grande Mestre de Nazaré, explorando a ingenuidade popular e nublando a inteligência das pessoas com os seus embolorados princípios.
Embora possamos fazer a ressalva de que existem propostas religiosas sinceras, portadoras do propósito maior de conduzir às criaturas ao bem, fazendo-se, por esse motivo, respeitáveis ao olhar dos Espíritos Superiores 3 , é preciso ter claro que o Espiritismo, por sua vez, tem outra racionalidade para apresentar.
Sendo o Espiritismo concebido pelo mestre Allan kardec como uma “ciência que trata da origem, da natureza dos Espíritos e das suas relações com o mundo corpóreo”4 , ele consiste numa ciência ética que aponta ao ser imortal a necessidade premente de investigação de sua própria natureza moral como sendo o ponto de partida para a transformação interior, tendo em vista atender, conscientemente, ao imperativo da Lei de Progresso e à sua vocação ontológica para a felicidade.
Aliás, essa transformação que nasce no imo do ser é o próprio objeto de uma educação moral devidamente compreendida, cujo propósito consiste em colaborar com o sujeito na formação de novos caracteres morais que o impulsionam no sentido da libertação de suas imperfeições.
Allan Kardec, após estudar as virtudes e os vícios com os Espíritos Superiores, em O Livro dos Espíritos, apresentando-nos como sendo os sinais mais característicos da imperfeição moral o interesse pessoal e o apego aos bens materiais, estabelecendo, ainda, bela investigação sobre o egoísmo como o fundamento principal de todo e qualquer vício.
O egoísmo – esclarecem os Espíritos –, se configura no vício mais radical, ou seja, na imperfeição grave da qual se originam todos os demais vícios. Somente conseguiremos eliminar os nossos vícios, verdadeiros obstáculos à conquista da perfeição moral e da felicidade dela decorrente, quando atacarmos o mal pela raiz, o que significa termos destruído a sua causa: o egoísmo. E insistem os Guias da Humanidade: “Tendam, pois, todos os esforços para esse efeito, porquanto aí é que está a verdadeira chaga da sociedade.” 5
Mas superar o egoísmo não é algo fácil, nada obstante não seja impossível. Tal tarefa exige esforços ingentes porque esse empobrecido sentimento se estriba no interesse pessoal, fazendo-se árduo o ato de extirpá-lo do coração humano.
Consciente de tamanho desafio que se impõe ao gênero humano para a extirpação do egoísmo do âmbito de sua natureza moral, Kardec indaga aos Espíritos se um dia isso seria possível, obtendo o seguinte esclarecimento: “À medida que os homens se instruem acerca das coisas espirituais, menos valor dão às coisas materiais. Depois, necessário é que se reformem as instituições humanas que entretêm e excitam. Isso depende da educação.” 6
Meditemos sobre essa valorosa resposta. Ao que parece, a espiritualização dos indivíduos é construída com a aquisição do conhecimento das coisas espirituais. Esse conhecimento diz respeito aos saberes pertinentes à sua natureza espiritual, à própria imortalidade e evolução, como também, às Leis Morais que regem a vida do Espírito.
A conseqüência moral direta da apropriação desses saberes consiste na valorização exata das coisas materiais. Vejamos bem, o conhecimento a respeito das coisas espirituais conduz-nos a uma postura de menor valorização das coisas materiais, de desapego mesmo, considerando por parâmetro o exagero e o verdadeiro “culto” que a nossa civilização dá em relação à dimensão material da existência.
Não se trata de uma proposta de negação da realidade material, como ensinaram as religiões dogmáticas aos seus profitentes em prol dos interesses mesquinhos daqueles que dominavam, mas somente, o entendimento adequado de que os bens materiais guardam uma relativa importância se consideramos a sua impermanência e que a finalidade de nossa estada temporária na vida terrestre tem por objetivo a aquisição de riquezas imorredouras no campo do intelecto e da moralidade.
Essa justa compreensão da transitoriedade da vida física e do propósito da reencarnação leva ao desapego na lida com as questões materiais. O sujeito desapegado das coisas materiais não as negligencia, simplesmente, não se deixa escravizar pelas mesmas, dando-lhes a devida apreciação sob o prisma da natureza impermanente da matéria.
Entretanto, os Espíritos apontam para Kardec, na questão em análise, de que é preciso reformar as instituições humanas que entretêm e excitam o egoísmo, vindo a depender essa notável realização da educação. Reformar as instituições significa modificar radicalmente toda prática cultural que estimule esse vício calcado na exaltação da personalidade e na exacerbação do interesse individualista.
Lousada Vinícius
Livro: Em Busca da Sabedoria.
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