O manejo desses recursos determinará a qualidade do modelo de desenvolvimento que o Brasil – único país com nome de árvore – terá neste século.
Depois de um decepcionante primeiro turno em que os candidatos não conseguiram detalhar suas propostas sobre esse e outros assuntos (o formato dos debates e a beligerância de alguns candidatos não favoreceu isso) aguarda-se de Dilma e Aécio um posicionamento mais claro nessa área estratégica para o Brasil.
Dentre as muitas questões importantes, destacaremos aqui aquelas que nos parecem as mais urgentes:
- Água: Alguma dúvida de que o Brasil experimenta a maior crise hídrica de sua história? Pelo menos 20% dos municípios enfrentam os efeitos de uma grave estiagem, entre eles, São Paulo, a maior metrópole da América do Sul. A disputa pela água da Bacia do Rio Paraíba do Sul (que concentra 20% do PIB e abastece mais de 14 milhões de pessoas) evidenciou a fragilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) na gestão de uma crise que tende a se agravar. Qual a proposta do(a) candidato (a) para que se qualifiquem a gestão dos recursos hídricos, a reutilização das águas servidas (água de reuso) e da água de chuva, se combata o desperdício na cidade e no campo, entre outras ações importantes, das quais a mais urgente seria a aceleração dos investimentos em saneamento básico?
- Lixo: O prazo estabelecido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para que os lixões fossem erradicados no país terminou no último mês de agosto (2/8) e mais da metade dos municípios não se adequou à Lei. Falta de recursos no orçamento, perda da capacidade de obter empréstimos federais por estarem inadimplentes, omissão deliberada de seus dirigentes, são muitas as causas desse descompasso entre o que a Lei determina e a realidade das cidades, em sua maioria pequenas e pobres. Qual a proposta do(a) candidato(a) para que não haja mais lixo a céu aberto no Brasil, contaminando os solos e as águas, agravando as emissões de gases estufa e espalhando doenças?
- Florestas: Mais de dois anos após a aprovação do Código Florestal o desmatamento aumentou 29% no último ano e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta importante do Código para identificar a situação de cada propriedade rural e estabelecer a área que precisará (eventualmente) ser revegetada, avança muito lentamente, seja pela enorme burocracia, seja pela aposta de alguns proprietários de que essa Lei não pega. Qual a proposta do(a) candidato(a) para que o CAR seja implementado mais rapidamente e seu monitoramento ocorra com agilidade e eficiência? Como pretende conter a ação clandestina de pecuaristas, sojeiros, mineradoras e madeireiras ilegais na Amazônia?
- Clima: O mais importante evento previsto no calendário das negociações do clima desde a aprovação do Protocolo de Kioto (1997) ocorrerá no ano que vem, em Paris, quando todos os países do mundo deverão definir seus compromissos para reduzir as emissões globais de gases estufa. O novo acordo climático é visto por especialistas como a última oportunidade de os países se entenderem a tempo de evitar que a temperatura média do planeta se eleve acima de 2°C neste século. Acima deste patamar, os cientistas prevêem o caos climático, com o agravamento de fenômenos que provocarão importantes impactos econômicos e sociais, com prejuízos ainda mais severos sobre os mais pobres. Qual o compromisso assumido pelo(a) candidato(a) para esta Conferência? O que o Brasil está disposto a fazer para reduzir suas emissões (crescentes) de gases estufa?
- Energia: Difícil imaginar um país do mundo com tantas opções energéticas quanto o Brasil. Se dermos preferência às fontes limpas e renováveis (para onde aponta o norte magnético das bússolas da maioria absoluta dos países desenvolvidos e em desenvolvimento) a vantagem brasileira é ainda mais consistente. Mas, ao longo dos últimos anos, as fontes renováveis têm perdido progressivamente espaço em nossa matriz. De 88,9% em 2011, para 84,3% em 2012 e 79,3% em 2013 (dos quais 70,6% de origem hidráulica). Embora a energia eólica tenha se tornado competitiva em nosso país, permanecemos perigosamente estacionados em ponto morto quando o assunto é energia solar. Enquanto países como China, Alemanha e Estados Unidos desenvolvem rapidamente novas tecnologias nessa direção, o Brasil – país do mundo com maior exposição territorial à radiação do sol – parece ignorar o óbvio: está em curso uma corrida tecnológica internacional para tornar a energia solar eficiente e competitiva. Se não sairmos da inércia, estaremos condenados, num futuro próximo, a adquirir produtos solares importados, embora tenhamos matéria-prima abundante. Outro ponto importante é a indiferença dos governantes em relação à eficiência energética. Faltam compromisso, campanhas educativas e punição exemplar para o desperdício. Avançamos na direção da microgeração distribuída, quando qualquer pessoa interessada em instalar por conta própria uma fonte limpa e renovável de energia (pequenos aerogeradores ou telhados solares, por exemplo) tenha assegurado o direito de obter descontos na conta de luz em função da energia que passará a gerar para si e (se houver excedente) para a distribuidora local. O problema é que o governo não transformou isso em política pública, não há campanhas divulgando essa possibilidade e as distribuidoras locais de energia entravam a instalação dos relógios digitais que permitem o funcionamento do sistema, aparentemente incomodadas com a “concorrência” dos microgeradores. Qual a proposta do candidato(a) para a ampliação inteligente da oferta de energia? Que critérios irão nortear os investimentos no setor? Como a Petrobras – que desde 2001 se assume não mais como uma companhia de petróleo mas sim como uma companhia de energia – participará de forma criativa desse esforço? Será uma companhia de petróleo ou uma companhia de energia?
- Transportes: Embora apontados por alguns economistas como medidas necessárias, a redução do IPI para automóveis e os subsídios a gasolina promoveram impactos importantes sobre a mobilidade e a saúde dos brasileiros. Estudos promovidos pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (leia aqui) e da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (leia aqui) revelam os custos diretos e indiretos da proliferação indiscriminada da frota automobilística nas cidades brasileiras. Além disso, é gigantesca a demanda de recursos na direção do transporte público de massa, eficiente, barato e rápido. Na área dos combustíveis, a política fiscal que protege a gasolina e o diesel teve efeito devastador sobre etanol, combustível de origem vegetal, menos poluente. O Brasil também sobretaxa carros elétricos e híbridos (que se multiplicam rapidamente no exterior) e não estimula a produção nacional desses veículos, mais eficientes e menos poluentes. Qual a política do candidato(a) para o setor de transportes e de combustíveis? Que investimentos pretende fazer na direção do transporte individual e coletivo?
São algumas questões – dentre tantas outras – que o modelo de disputa em segundo turno permite abordar de forma menos apressada e mais responsável.
André Trigueiro é jornalista com pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.
** Publicado originalmente no site Mundo Sustentável.