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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Flor de lótus. É difícil encontrar um país da Ásia onde a flor de lótus não seja considerado sagrada. Na tradição budista e em muitas outras crenças orientais a imagem do lótus está ligada à elevação e expansão espiritual. A pureza e a harmonia equilibrada das pétalas da flor estão associadas à própria história de Sidartha Gautama


Flor de lótus









É difícil encontrar um país da Ásia onde a flor de lótus não seja considerado sagrada.

Na tradição budista e em muitas outras crenças orientais a imagem do lótus está ligada à elevação e expansão espiritual. A pureza e a harmonia equilibrada das pétalas da flor estão associadas à própria história de Sidartha Gautama, o Buda, que deu início ao seu caminho de iluminação ao contemplar a miséria que existia fora dos muros do palácio onde vivia.


A flor branca e delicada que emerge de águas lodosas, revelando toda a sua beleza e força, é um símbolo poderoso e transreligioso do convite a que todo ser humano possa evoluir em direção ao Mais, ao Magis para o qual foi sonhado e criado.


Lembrei-me dessa imagem após assistir o filme “Além da vida”,de Clint Eastwood. Assim como o lótus, o cineasta americano tem uma trajetória surpreendente, tanto como ator quanto como diretor. Foi o policial “Dirty Harry”, durão e violento, no início da carreira. Repetiu o figurino na pele de outros heróis que abatiam inimigos a tiros e pancadas. Foi o “Destemido senhor da guerra”, de muitos outros filmes, de muitas guerras, sempre com armas ou punhos prontos a disparar contra alvos fáceis e previsíveis.


Mas, aos poucos, o tempo foi agindo no coração, na mente e na lente daquele Rambo dos anos 1960 e 1970 e o personagem durão foi mudando o foco da sua câmera. Da lama de violência em que seus filmes estavam atolados foi surgindo uma flor leve, delicada, sensível. O primeiro sinal de que algo novo estava germinando na alma do cineasta talvez tenha sido o filme “Bird”, (1988) onde ele contou a vida do saxofonista Charles Parker, um dos mais famosos jazzmen americanos.


Em 1992 ele ganha um surpreendente Oscar ao voltar ao genero wester em “Os imperdoáveis”. Ao lado de Gene Hackman e Morgan Freeman, revolucionou a previsível narrativa do bang-bang ao colocar em primeiro plano os dramas íntimos de seus personagens.


Em 1995, com “As pontes de Madison”, ele se deixa levar de vez pela poética das relações humanas, numa direção e interpretação inesquecíveis, ao lado da fantástica Meryl Streep.


Sem abandonar a imagem de rude e durão, mas também sem fazer concessões ao pieguismo fácil, tão ao gosto de Hollywood, Clint vai ajustando sua câmera sem nenhum pudor para dar um close na beleza possível da alma humana, capaz de emergir do lodo, como em “Menina de ouro” (2004), ou “Gran Torino” (2008).


Chega, agora, com esse “Além da vida” (Hereafter).


A narrativa e o roteiro se equilibram o tempo todo num fio de navalha sobre o qual qualquer escorregão pode transformar a história num dramalhão sem remédio. Mas o diretor não deixa que isso aconteça. Sem pressa, vai deixando emergir a delicadeza perdida no lodo do cotidiano.


Apesar de ser construido a partir de um tema polêmico, a vida depois da morte, o filme não faz proselitismo nem defende com paixão religiosa essa ou aquela posição ou conceito. Ao contrário das certezas dogmáticas, expõe nossa dificuldade em lidar com a idéia do “depois daqui”, uma tradução literal do título original.


A questão da vida após a morte é apenas arranhada, ao contrário do recente e detalhado “Nosso lar”, sucesso nas telas brasileiras de 2010. O que acontece no post morten é mero pretexto para que o filme nos fale da delicada relação do ser humano com seus limites, medos, buscas e esperanças.


Ao espectador, só resta contemplar a instigante, questionadora e por vezes incômoda beleza das pétalas de lótus que vão se revelando uma a uma, se entrelaçando, entre personages e cenas, até o final igualmente delicado e suave.


Não conheço Clint Eastwood, não sei de sua vida, de suas idéias, ou de seu comportamento pessoal. Sei que sua trajetória cinematográfica reaquece minha fé no ser humano, num momento em que, pelas telas da nossa midia, corre um rio de lama, morte, destruição, dor e sofrimento, na anunciada, previsível e absurda tragédia das enchentes.


Entre uma imagem e outra me pergunto: onde florecerá, entre nós, a tão sonhada e desejada flor de lótus?
Eduardo Machado

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