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sábado, 24 de março de 2012

O Guardador de Rebanhos ( Fernando Pessoa)


Escrito em 1911-1912

I


Eu nunca guardei rebanhos,


Mas é como se os guardasse.


Minha alma é como um pastor,


Conhece o vento e o sol


E anda pela mão das Estações


A seguir e a olhar.


Toda a paz da Natureza sem gente


Vem sentar-se a meu lado.


Mas eu fico triste como um pôr do Sol


Para a nossa imaginação,


Quando esfria no fundo da planície


É se sente a noite entrada


Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego


Porque é natural e justa


E é o que deve estar na alma


Quando já pensa que existe


E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.


Como um ruído de chocalhos


Para além da curva da estrada,


Os meus pensamentos são contentes.


Só tenho pena de saber que eles são contentes,


Porque, se o não soubesse,


Em vez de serem contentes e tristes,


Seriam alegres e contentes.


Pensar incomoda como andar à chuva


Quando o vento cresce e parece que chove mais.


Não tenho ambições nem desejos


Ser poeta não é uma ambição minha


É a minha maneira de estar sozinho.


E se desejo às vezes






Por imaginar, ser cordeirinho



(Ou ser o rebanho todo


Para andar espalhado por toda a encosta


A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),


É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,


Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz


E corre um silêncio pela erva fora.


Quando me sento a escrever versos


Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,


Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,


Sinto um cajado nas mãos


E vejo um recorte de mim


No cimo dum outeiro,


Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,


Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,


E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz


E quer fingir que compreende.


Saúdo todos os que me lerem,


Tirando-lhes o chapéu largo


Quando me veem à minha porta


Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.


Saúdo-os e desejo-lhes sol,


E chuva, quando a chuva é precisa,


E que as suas casas tenham


Ao pé duma janela aberta


Uma cadeira predilecta


Onde se sentem, lendo os meus versos.


E ao lerem os meus versos pensem


Que sou qualquer cousa natural —


Por exemplo, a árvore antiga


À sombra da qual quando crianças


Se sentavam com um baque, cansados de brincar,


E limpavam o suor da testa quente



Com a manga do bibe riscado.



Fernando Pessoa

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